terça-feira, 7 de setembro de 2010


Artigo.

Ivete Sangalo e o patriotismo cultural.



por Marlon Marques.
















Geralmente no futebol, quando um jogador é bom, ele costuma jogar bem em qualquer lugar e sob qualquer circunstância. Com um artista musical ocorre o mesmo. Quando esse artista é bom, quando suas músicas são boas e seu espetáculo é de qualidade, não importa onde se apresente, será sempre um grande show. Em 1980, Frank Sinatra já era considerado o “maior cantor” do mundo quando veio ao Brasil realizar o antológico show do Maracanã para mais de 150 mil pessoas. O show foi incrível, com Sinatra desfilando todo seu charme e talento em canções clássicas de seu repertório – “My Way” inclusa. Só o mais ridículo e patriota dos brasileiros poderia pôr qualquer defeito sobre o show ou sobre a qualidade do cantor apenas pelo fato de ser estrangeiro. Nesses casos, a nacionalidade ou origem do artista não importa, o que importa mesmo são seu talento e a qualidade de suas canções. Porém essa é uma visão equilibrada das coisas – oriunda principalmente do distanciamento dos vícios nacionalistas e de uma formação mais pluralista e realista do mundo. Porém os americanos (não todos) não aprenderam nada com Lévi-Strauss e com o relativismo cultural de Franz Boas. É irritante essa mania de superioridade mesmo ante a um cenário cada vez mais pluralista – tanto no âmbito da política e da economia, quanto no da sociedade e da cultura. Esse pedantismo americano me veio novamente à tona por conta do show de Ivete Sangalo no Madison Square Garden – a maior casa de shows do mundo. O jornal americano (e reacionário muitas vezes) The New York Times, publicou uma crítica muito infundada e a meu ver preconceituosa a respeito do show de Ivete. Antes uma nota necessária: eu não acho a Ivete Sangalo esse fenômeno todo, mas a considero uma das grandes artistas do país, destacando-se no tipo de música que se propõe a fazer. Ivete se enquadra justamente na categoria de artistas como citado na formula acima, tanto que foi ao Madison Square Garden e arrasou, fez um show que muitos chamaram de “histórico” – pode até ser um exagero, mas com certeza fez um show nos seus padrões normais, o que de qualquer maneira já são em alto nível. Porém como ela é “bem” “brasileira” – apesar de cantar às vezes em inglês ou espanhol – há sempre quem deprecie isso. Lendo o artigo fica bem claro isso, principalmente quando Jon Pareles cita o coro brasileiro no final da apresentação: “eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. O orgulho deles é o que vale, o nosso não. O que eles queriam, que ela fosse lá e vertesse todas as músicas para o inglês só para agradá-los? Porque o mundo sempre precisa se curvar aos desígnios americanos, não – “só boto o bebop no meu samba quando o Tio Sam pegar no tamborim”. O articulista fez questão de demonstrar que só haviam brasileiros no show – já que a comunidade brasileira nos Estados Unidos (e em Nova York) é muito grande, como se americanos não gostassem dessa (e de nossa) música. Absurdamente o articulista usou um jogo pejorativo numa frase pensando que ninguém fosse perceber: “A senhorita Sangalo, que é do estado da Bahia, cantava em inglês e espanhol”. Americanos (não todos) em sua maioria são grandes desconhecedores dos arredores dos seus próprios umbigos. No episódio “O feitiço de Lisa” da série Os Simpsons, há uma cena curiosíssima – Bart com a intenção de conhecer melhor o Brasil (país para onde estavam indo), começou a ler um dicionário de espanhol, achando que essa era a língua falada aqui. Isso significa que o americano médio desconhece não apenas o Brasil, mas desconhece o mundo que eles querem colonizar. O que ele quis dizer com “que é do estado da Bahia”? – como se isso fosse um elemento depreciador. Como quem querendo aludir que baianos – por serem nordestinos, são menos capazes de aprender a língua deles. Ledo engano. Não por acaso, um certo João Gilberto, tão cultuado em terras americanas é também baiano. Isso mostra o desconhecimento deles para conosco. O artigo apenas cita a participação do público, a produção, os bailarinos – não faz crítica musical, uma vez que não analisa o show (tendo gostado ou não), apenas o descreve friamente. Pareles desfila seu preconceito ao chamar a banda e o grupo de bailarinos de Ivete de “trupe” – claramente num tom pejorativo, pois é melhor chamar de “palhaço” do que de “macaco”. O “crítico” ainda se irritou com algumas canções de Ivete que fazem referências especificas a lugares de Salvador – qual o problema? Ué, quando Willie Nelson cita lugares do Texas ou Bruce Springsteen compõe um álbum chamado “Nebraska”, isso não soa exótico. Eu vi trechos do show, e o que vi foi apenas Ivete Sangalo na plenitude de sua carreira. A cantora desfilou seus hits, cantou com a afinação de sempre, sua banda impecável, as coreografias, tudo em cima. O que acho mesmo é que isso não passa de despeito, de pessoas que não podem ver o sucesso de um estrangeiro em seu país. Jon Pareles quando esboçou fazer uma crítica, escorregou ao tentar apontar rumos para Ivete Sangalo e para a música pop brasileira. Disse o crítico que cantando em português, Ivete Sangalo jamais conseguirá ser uma estrela reconhecida internacionalmente como Madonna, Shakira (essa inclusive teve que abandonar sua língua de origem) ou Beyoncé. O que ele se esquece, é que esse tipo de música não é para pensar, mas sim para dançar e pular, para ser feliz, e isso não têm idioma. A maior barreira para Sangalo é o lobby nacionalista que há em muitos países. Disse ainda que suas tentativas de recriações de músicas em inglês foram inábeis, assim como seus duetos com Nelly Furtado, Juanes e Diego Torres. Quem ouvir as versões pode não ver dessa forma – eu as ouvi, e acho que ficaram legais, principalmente o tal “sambareggae” citado por ele, assim como as criticadas canções de amor bilíngües. Jon Pareles disse ainda que outro obstáculo da expansão internacional de Ivete se dá por seu ritmo ser muito acelerado e ruidoso, que dificilmente pode ser acompanhado por alguém que não seja brasileiro. A linguagem do corpo é universal – basta que a música tenha energia suficiente (e isso Ivete Sangalo têm de sobra) para contagiar, que logo as pessoas aprendem os passos. Veja o caso de “Single Ladies” de Beyoncé – tornou-se uma febre no Brasil mesmo tendo uma coreografia complicadíssima. A energia e o carisma da música foram mais fortes, todos hoje cantam e dançam a música – e o ritmo de Beyoncé é tão rápido e ruidoso quanto o de Ivete. A grande questão é que mesmo com a eleição de Obama os Estados Unidos ainda continua muito conservador e protecionista. Ainda há uma grande dificuldade em reconhecer no “outro” qualidades – daí as reservas ou as críticas infundadas, apenas para depreciar. O show de Ivete Sangalo foi tão bom e histórico quando o de Frank Sinatra aqui (sem comparar os artistas, sim os momentos das apresentações). E tentar achar defeito no show de Ivete Sangalo é uma atitude tão desprezível quando não reconhecer as diversas qualidades existentes na cultura americana por um simples e burro “patriotismo cultural”.





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