sábado, 16 de outubro de 2010


Artigo.

Isso é beleza pra você
?

por Marlon Marques.
















Um dos nossos grandes poetas disse: “que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental”[1]. Mas quem são as feias de quem ele se refere? Será que elas são feias mesmo ou são feias para ele? Que me desculpe o poeta, mas beleza é relativa. O que é belo para mim, pode não ser belo para você. Não digo hoje é óbvio – mas Brigitte Bardot nunca foi bonita. Há uma grande inversão nisso tudo – as pessoas confundem beleza com sensualidade, e uma coisa não significa a outra, embora possam coexistir. O mundo errou ao apontá-la como uma das mulheres mais lindas do mundo. Outro grande erro – Pamela Anderson. Pode até ser voluptuosa, sensual, mas linda – ora, não é. Mas é branca, loura e têm olhos azuis – o estereótipo europeu que todos temos que engolir. “Nossa, como esse bebê é lindo, é loirinho e têm olhos azuis”! E daí? Isso não significa que ele realmente seja lindo, afinal, existem também pessoas com cabelos e olhos escuros que são bonitas. Acredito que cada pessoa ao longo da vida, cria um repertório de características que estabelece como “seu” padrão, e há o padrão ditado pela moda e pela indústria da TV, dos cosméticos, etc. Por exemplo, há quem dê preferência pelos olhos puxados dos extremo orientais[2] e dos mestiços, e há quem não goste. Há quem prefira lábios grossos como os de Naomi Campbell, Angelina Jolie ou Isadora Ribeiro, e há quem não veja graça nesse atributo. Já vi homens do reggae dizerem que preferem garotas com dreadlocks – isso chama-se gosto pessoal. Nosso mundo é feito por minorias e maiorias – cada uma com seu gosto, e a tendência é que a maioria sempre se sobreponha a minoria, porém sem significar que a minoria esteja errada. As maiorias são sempre representadas pelas instituições – Igreja, Estado, Partidos, Escolas, Agremiações, Família, Empresas, Mída, etc. – e as minorias por pequenos grupos, coletivos (que podem se tornar maioria numa outro momento ou outro tipo de divergência) e indivíduos isolados. Por exemplo, na arte ocidental, o belo é identificado como presente nos trabalhos de Michelangelo, Botticelli, Da Vinci ou Rafael – suas telas, esculturas, afrescos estão entre as obras mais significativamente belas de todos os tempos, quase que consensual. Já em muitas gravuras de Goya – nas séries “Caprichos”, “Desastres da Guerra” e “Disparates”, nos deparamos com o grotesco, com o insano, com o reverso, e muitos consideram isso “feio”. E não distingo aqui a técnica do representado, pois enxergo as coisas conjuntamente, ou seja, para mim, no conjunto da obra, o que Goya faz também é beleza – inclusive aquilo que ele magistralmente representa. Toda essa discussão é muito extensa e mais aprofundada, porém fora suscitada por conta do concurso dos colírios Capricho 2010. Primeiro, é um concurso ridículo, e segundo que a beleza não é um conceito democrático – definido por maioria proporcional. Muito menos por uma maioria vazia e mau formada – os adolescentes do Brasil (e nesse caso aqui as adolescentes). Além do quê, concursos como esse trazem implícitas questões como: negros e gordos não são bonitos. Eu não vi um negro ali – não que tenha que ter só para representar, mas não há negros bonitos? E quanto aos gordos, só porque não estão nos moldes socialmente impostos são feios? Parece-me que o ser humano com toda sua complexa capacidade cognitiva – têm mais facilidade para reter coisas inúteis do que úteis (ou coisas ruins do que boas). Saia na rua e pergunte sobre quem são os participantes do reality “A Fazenda 3, a maioria saberá – agora pergunte quem são os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, poucos saberão. Então, dada a precocidade com as crianças aprendem as coisas “ruins”[3] – logo crescerão acreditando que negros e gordos são feios e que é ruim ser assim. E aí teremos uma sociedade intolerante, preconceituosa e resistente ao diálogo e o contato com as diferenças. É isso que queremos para nosso futuro? Veja, dizemos sem dor na consciência que pessoas como Maguila, Tiririca ou ET[4] são feios – porque a maioria acha isso, agora dizer que Rodrigo Hilbert ou algum dos colírios da Capricho são feios – aí não, é ir contra a corrente, contra aquilo que a TV e a mídia nos dizem. Como canta Zeca Baleiro: “comercial de shampoo, cerveja e celular, modelos para crer, e Credicard” – “modelos para crer” – são como deuses pós-modernos, intocáveis. Eu não acho Victória Beckham bonita. Não acho José Maier bonito. Não acho Raí bonito e não acho nem Iris Stefanelli, Karina Bachi e Letícia Birkheuer bonitas. “Mais eu também sei ser careta, de perto ninguém é normal”, cantou Caetano Veloso em “Vaca Profana” – e se fizermos um exame criterioso em cada pessoa que existe no mundo, todas terão características desproporcionais, estranhas ou feias – seja um olho mais separado que o outro, ou orelhas grandes, ou um nariz estranho, etc. A beleza não é um conceito estanque, definitivo – cada um têm seu conceito de beleza, sua definição de beleza, e isso precisa ser respeitado e não seguido – agora de uma coisa eu tenho certeza e decreto: os colírios Capricho podem ser belos pra vocês, mas não são para nós – já que, “pimenta nos olhos dos outros, é refresco”.



[1] Frase do poeta Vinícius de Moraes.

[2] A referência aqui é feita porque nem todos os orientais têm os olhos puxados, os russos e os árabes por exemplo.

[3] Aqui pode parecer contradição, mas quando me refiro à ruim, me valo do conceito filosófico da ética, porém sem aprofundamentos. Por exemplo, quando tratamos da beleza dizemos ser ela relativa, mas quando se trata de bem ou mal, não cabe uma relatividade total, sim parcial. Exemplo: a pedofilia é uma coisa ruim, independente de alguém querer achar que é bom.

[4] ET, da dupla ET e Rodolfo.


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(1).
























(2).
















(3).
























(4).





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Notas.

1. Letícia Birkheuer - modelo e atriz.

2. ET, nascido Cláudio Chirinian - foi comediante e radialista.

3. detalhe de "O Nascimento de Vênus" de Sandro Botticelli, 1483.

4. Estan Calientes, gravura da série "Caprichos" de Goya, 1797-1798.



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