sexta-feira, 25 de junho de 2010

Artigo.

Maçãs, Coca-Cola e Pink Floyd : uma ligação.



por Marlon Marques.










































O que o tempo não faz não é? O tempo envelhece, distancia, muda. Mas o tempo também é capaz de tornar as coisas mais palatáveis. Sim, também do ponto de vista gastronômico mais simplificado. Essa semana depois de alguns anos, eu comi metade de uma maça. E não é que eu achei saborosa. O último gosto de maça que eu me lembrava, trazia consigo um doce opaco e uma sensação de envelhecimento, como aquelas maças velhas da cesta já fofas. Depois dessa eu comi outras nos dias seguintes, e o gosto bom foi o mesmo. Mas como eu me conheço, sei que se continuar comendo maças vou logo desgostar. Não sei o porquê isso acontece com maças, parece até que banaliza. O mesmo ocorre com a Coca-Cola. Eu nunca fui lá muito fã da mais americana das bebidas, mas confesso que até gostava em um certo nível de quase vício. Não tinha horário para saboreá-la, em substituição ao leite antes de ir ao trabalho, antes de dormir como uma última água noturna, no almoço, no jantar, em suma, onipresença. Porém chegou um momento que eu já não achava mais graça em Coca-Cola. Acho que banalizou aquele gosto, meu cérebro já não a percebia mais como um refresco, mas como um remédio. Aquilo ficou travoso em minha boca, e como conseqüência disso passei a rejeitar. Não sei se os pomares já não dão mais maças como antes, mas no caso da Coca-Cola há diferenciação na fabricação com o passar do tempo. Há quem defenda a tese de que a Coca-Cola média de garrafa de vidro é mais saborosa quando comparada hoje com a de garrafa plástica. Recentemente eu estava almoçando fora e quase que inconscientemente eu peguei o copo de minha acompanhante e tomei um pouco do negro líquido de seu copo. E não é que eu gostei. Depois de muito tempo e tomava novamente Coca-Cola com algum entusiasmo, e digo mais, com satisfação de saborear algo bom. O tempo fez com que meu paladar aceitasse com naturalidade tanto a Coca-Cola quanto a maça, quase como se fosse sabores novos ou até mais precisamente redescobertos. Mas aonde entra o Pink Floyd nessa história? Entra justamente nesse mesmo raciocínio. Muitos punks dizem até hoje que Pink Floyd é monótono, chato e dá sono. E eles dizem isso da fase áurea floydiana, que vai de Dark Side Of The Moon de 73 á The Wall de 79. Eu discordo muito dos punks nesse aspecto, porém também não considero que Pink Floyd seja um tipo de música – assim como o rock progressivo em geral, um tipo de música cotidiana, que possa ser apreciada no dia-a-dia. Eu gosto muito do Pink Floyd, mas acho que sua audição a exaustão causa enjôo e saturação. E é nisso que o comparo com maças e Coca-Cola. Para que eu aprecie toda a grandeza do grupo inglês, eu preciso da distância do tempo. Eu preciso ficar algum tempo sem ouvi-los, para que eu renove meu sentido – nesse caso aqui a audição, para que eu redescubra as músicas, os discos e até detalhes que se revelam a cada nova audição. E justamente por ser uma música altamente técnica, cada vez que se ouve se descobre coisas novas, a mesma sonoridade ganha ares diferentes, porque o ouvido se desacostumou, o mesmo acontece comigo em relação a certos alimentos e bebidas. Se os punks e afins já consideram a fase áurea do Pink Floyd intragável, imagine o que acham do disco que é considerado – inclusive por fãs da banda, como sendo o pior de sua carreira. Refiro-me a The Final Cut de 1983. É quase um disco solo de Roger Waters, pois a ideia é dele, todas as letras são dele, quase todas as músicas também, além de assinar a produção, deixando Manson e Gilmour apenas como músicos de apoio. É o primeiro (e único) disco sem qualquer participação de Richard Wright, demitido da banda que ajudou a fundar. Falam muito mal do disco, seja em revistas ou em conversas, mas não acho que é bem assim. O disco é bem tocado, porém esbarra em duas coisas: é um álbum conceitual, e mais, sobre o tema da guerra – obsessão de Waters, e as canções são muito parecidas, dando a impressão de ouvir uma única canção partida em várias. O disco traz muitos efeitos sonoros, ambientações de guerra, vozes, além do rico instrumental de apoio, com cordas e belos sopros. O álbum é bastante requintado, disso não podem reclamar. Mas é um disco triste, como tons baixos e um tanto minimalista. O tema da perda do pai na guerra faz com o disco traga certos tons carregados de melancolia e tristeza. A faixa título é extremamente linda, assim como a sua antecessora “Southampton Dock”, quase pastoril. Embora o disco pareça monótono, não é. O que faz The Final Cut ser monótono é a proximidade do tempo, em contraponto a distância. Quanto menos se ouvir Pink Floyd melhor, e quanto menos ainda se ouvir The Final Cut melhor ainda, pois só assim se poderá ouvi-lo melhor. O disco é bom, em contraponto aos que dizem que é ruim, mas é monótono sim quando ouvido a exaustão. Mas esse disco é diferente dos demais (é claro), e a adjetivação negativa que o dão (sic), se dá também pela comparação com os discos clássicos. A receita básica para aceitar The Final Cut é: demore a ouvi-lo e não o compare com os demais discos. Para quem gosta de ambientações – não necessariamente de guerra, é um prato cheio, onde os violinos dão um toque todo especial, isso sem contar a grandiosa classe da guitarra de David Gilmour. Vale à pena ouvir o disco, desde que você o ouça a cada seis meses ou a cada um ano.






























Pink Floyd - The Final Cut (Capitol, 1983).

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