quarta-feira, 28 de abril de 2010


Artigo.

O relativismo torto dos carolas.


por Marlon Marques.



























Desde que Michelangelo vestiu sua escultura o escravo agonizante com uma camiseta, até os anos 70, uma camiseta era apenas uma peça de roupa. Quando descobriram que a camiseta era também um painel em branco podendo ser usado como canal de expressão, muita coisa mudou. De simples peça de vestuário á vitrine de idéias e frases, a camiseta ganhou importância e causou polêmicas. Eric VanHoven era um adolescente como outro qualquer e estudava em uma tradicional escola de Michigan, nos Estados Unidos. Porém um certo dia, foi barrado em sua escola porque estava vestindo uma camiseta da banda Korn, considerada pela direção do colégio como vulgar, indecente e obscena[1]. É necessário lembrar que, tais considerações partiram da direção da escola, e significa que apenas eles acharam isso, não que o objeto de fato o seja. É como aquele ditado que diz que “a beleza está nos olhos de quem vê”, ou seja, o sujeito x acha algo bonito e o sujeito y não acha. Eu sou professor de uma escola pública em São Paulo, e hoje fui trabalhar vestindo uma camiseta cuja a estampa exibia a capa do disco Coward da banda Made Out Of Babies. A imagem é uma fotografia de um garoto de uns seis anos de idade com um lado do rosto todo machucado. Seu olho direito está inchado e quase todo fechado como quem tivesse levado um soco. Sua expressão é séria e encara-nos com um certo ar de medo. A reação dos meus alunos foi de curiosidade ante a estampa da camiseta, ninguém foi indiferente, todos olharam, uns comentaram e outros não. Como não há nenhum nome ou logotipo da banda, logo todos pensaram se tratar de uma imagem real, o que é pouco provável dado o nível de tecnologia de programas de tratamento de imagens. Eu nunca havia usado essa camiseta antes, e justo no dia em que resolvo usá-la, e mais, para ir ao trabalho, ocorre uma briga entre alunos. Dou aulas nessa escola há quase dois meses, porém a escola já têm pelo menos três anos de existência, e segundo o relato dos alunos nunca havia acontecido uma briga antes. O censo comum logo conectou a briga com a imagem da camiseta. É claro que é evocativa, mas também não deixa de ser apenas uma imagem. Outro dado é que, para interpretarmos certos símbolos na vida, devemos conhecer seus significados possíveis, caso o contrário, aquilo não nos terá sentido. Nosso alfabeto da língua portuguesa nada mais é do que símbolos com significados, porém nós que somos falantes dessa língua entendemos esse significado e por isso as palavras, as frases, os textos e as expressões formadas por esses símbolos combinados nos fazem algum sentido. Agora tente ler um jornal chinês ou em língua hebraica sem saber os significados daqueles símbolos, você não conseguirá entender, logo poderá ou ignorá-los ou simplesmente livre interpretá-los. A banda referente à camiseta não era de conhecimento das pessoas da escola, tanto dos alunos como dos demais ali presentes. Logo por desconhecerem o significado daquela imagem, puderam interpretar da maneira como lhes foi mais conveniente. O nome do disco é Coward, em português covarde, o que significa quê, quem fez aquilo com aquele garotinho é uma covarde, sendo na verdade uma denúncia a violência infantil. Isso é uma interpretação baseada no conhecimento dos signos que permeiam o contexto geral da imagem, ou seja, o nome do disco, a mensagem da banda, o que a banda quis expressar com a imagem, etc. Esvaziando tudo isso ainda, a imagem é apenas uma imagem, onde não necessariamente tenha que haver uma mensagem ou um significado específico. Adentrando a sala dos professores após o episódio da briga, logo percebi os diversos olhares do restante do corpo docente para a minha camiseta. Claro que os olhares eram de reprovação, mas reprovação de quê? Uma das professoras que mais se impressionou com a imagem foi uma senhora de aparência tradicional. Ela baixou a vista e os óculos de aros negros grossos e olhou-me de cima a baixo com tom de total reprovação. Logo me veio à cabeça as questões de politicamente correto tão em voga ultimamente, e também a carolice dos discursos pedagógicos. O professor deve ser um bom exemplo para os seus alunos. Essa ideia é totalmente falsa, pois eu mesmo pude tirar a prova quando de minha apresentação. Fiz cada um dos alunos dizerem seus nomes, idade e pretensão acadêmica, nenhuma resposta (que eu me recorde) foi cursar uma licenciatura e tornar-se professor, portanto professor não é exemplo para ninguém. Então eu concluo que o professor não é nem exemplo bom e muito menos exemplo ruim. Isso tira do individuo a sua capacidade de ser bom ou ruim por conta própria, tira toda sua autonomia e esvazia tudo o que faz. Imaginei essa professora dizendo em seus cochichos que isso poderia incitar os alunos. Isso é o mesmo que dizer que os alunos bagunçam porque os professores bagunçam, ou namoram uns com os outros porque os professores também o fazem. Nada é mais falso. Não é uma camiseta quem diz o que é um bom ou mau professor, até porque um dos mais criticados pelos próprios alunos se veste impecavelmente de roupas sociais todos os dias. O que vale mais é o que você faz dentro da sala de aula, seus ensinamentos, didática, e o quanto você faz sua aula ser atrativa e produtiva aos alunos. Como escreveu o célebre Noel Rosa, “com que roupa eu vou”, vá com qualquer uma, apenas se dedique em fazer um bom papel. É incrível como uma simples camiseta gera tantos olhares, tantas interpretações, tantas reprovações. Uma camiseta é apenas uma camiseta, tanto que quando eu cheguei em casa após quatro horas de aulas e mais uma na condução, pus a camiseta da discórdia no cesto de roupa suja junto com as demais peças. Porque ela é apenas mais uma camiseta, nada mais. O que falta para algumas pessoas é conhecimento cultural mais amplo e bom senso em reparar as coisas que realmente são mais importantes. Pois ninguém ali no recinto se preocupou com as aulas em si, ou até com uma punição aos desordeiros, preocuparam-se mais com uma camiseta. Se a tal professora carola[2] conhecesse de semiótica o tanto como conhece das banalidades que falava até reparar em minha camiseta, logo olharia para ela com olhos diferentes. Caso conhecesse arte, olharia para a camiseta como se olha um quadro cubista de Picasso ou como se olha uma obra de Seurat[3] por exemplo, mas não, estão mais preocupados com o pão e com o circo, que por sinal tiveram ali uma confluência perfeita. O circo foi à briga, e pão com patê era o que tinha de lanche na sala dos professores, e com diz a justa letra da canção Panis Et Circenses, “mas as pessoas na sala de jantar, são ocupadas em nascer e morrer...”



[1] BRAGATTO, Marcos. Korn – Música nervosa para pessoas nervosas. Rock Press. Rio de Janeiro, Nº 04, p.24, abril. 2000.

[2] Carola pode ser entendido como tradicional, obtuso, fechado, conservador. E aqui a expressão se presta apenas aos professores, não aos alunos – pois foi citada em outras partes do texto.

[3] Geoges Seurat (1859-1891) – Considere a importância de Seurat na renovação do olhar, na maneira como o mundo pode ser olhado e visto de forma diferente da aparente.



























































































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2 comentários:

  1. Olá, passando para divulgar meu novo projeto. www.psvsite.com/cronicas
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    Abs.

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  2. Anônimo12:35 AM

    A imagem é realmente chocante, e é preciso muita coragem para estampá-la por ai tenho um filho dessa idade e protesto contra a violência infantil. Compreendo a sua narrativa, mas as pessoas não são iguais a ninguém e nem a você elas vêem como querem, ou seja, a sociedade é assim, você é o que você come, o que você fala e o que você veste, não importa pra sociedade o que você é de verdade e sim o que você se mostra perante ela. E a primeira impressão não foi boa embora eu te entenda. Apoio a sua coragem, mas eu jamais vestiria algo assim, mesmo como protesto contra a violência.

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