segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Artigo.

De Ella Fitzgerald á Beyoncé: a música negra feminina contemporânea em três atos.


por Marlon Marques.



























É triste saber que a música negra hoje é representada por Byoncé e Rihanna. É mais triste ainda saber que já tivemos Célia Cruz, Ella Fitzgerald, Miriam Makeba e Sarah Vaughan. Grandes cantoras, que com seus cantos fortes e belos, levaram ao mundo alegria, força e técnica, quebrando muitas barreiras acima de tudo. Hoje nossa realidade é bem diferente. Nada de jazz e blues, sim o vazio do "R&B" e a aberração do black. Porém, não é só delas que a música negra vive hoje. Seria irônico que a situação fosse essa. Claro que não quero ser “racista”, mas o certo mesmo é que nem as cantoras negras e nem as cantoras brancas hoje nos encantam. Até Whitney Houston que um dia fez algo de qualidade, vive no ostracismo. Madonna que também já fez algo relevante, se rendeu ao momento medíocre [e ao mercado] que a música vive. É claro que no mundo há mulheres de valor, na Alemanha, no Japão, no Brasil e até nos Estados Unidos. Porém a maioria delas são brancas. Pois a música negra feminina se reduziu a esses ritmos acima citados. Até Norah Jones e Joss Stone – interpretes não negra, mas que cantam música negra – sumiram, foram submergidas pelo tsunami multimilionário do “black”. Dia desses estava pensando sobre esse assunto, quando me veio em mente três cantoras. Duas inglesas e uma americana. As três negras, sem o glamour de Naomi Campbell, porém muito talentosas e de ótimo gosto musical. Isso nota-se pelas escolhas delas, o jazz, o soul, o blues, e para não soar retrogrado, o “trip hop”. Esses ritmos, exceto o último, estão em desuso. As gerações atuais não se interessam pela criação engenhosa, pela composição técnica, pela beleza que requer apreciação atenta, pois preferem batidas pré-fabricadas, efeitos eletrônicos e esquemas fáceis. As três cantoras ao qual me refiro, são Skye Edwards, Shara Nelson e Lizz Wright. Três nomes pouco falados, mas de muita qualidade. Vozes marcantes, que no caso das duas primeiras, identificadas com seus ex-grupos de colaboração, Morcheeba e o Massive Attack. Já Lizz é uma pérola negra, compositora talentosa e cantora extraordinária, Lizz consolidou-se como uma das melhores cantoras de jazz do século XXI. Aqui apresento um álbum de cada uma delas, que dá uma pequena noção de seus trabalhos. Skye tem uma voz rouca e suave ao mesmo tempo. Tem o jazz digital como seu ritmo principal. No Morcheeba pode flutuar entre o trip hop, o jazz, o soul e o lounge, sempre nos encantando com sua voz. Suavidade é o melhor adjetivo para esse disco, o bom “Mind How You Go”. A primeira faixa “Love Show” dá uma pista. Arranjos simples e bastante uso da “boa eletrônica”. Não há como fugir da herança trip hop, presente desde os climas ás batidas das músicas. Mas a própria Skye já havia se cansada do clubinho desse ritmo, decidindo navegar por outros mares. Skye experimenta sedução em “Stop Complaining”, sofisticação em “No Other” e volta as raízes em “Calling”, por sinal uma ótima canção. O disco é cheio desses momentos agradáveis, ótimos para serem curtidos tanto sozinho quanto com uma boa companhia. Skye se revela mais madura do que nos tempos de Morcheeba, parece muito segura do que está fazendo, vide a capa de seu disco, onde ela está sozinha numa estrada como que esperando um ônibus que a levará a uma nova viagem, sozinha. “All The Promises” é um outro destaque, com arranjos calcados no jazz, traz um piano inspirado e um balanço cativante. Shara Nelson é mais conhecida por ter emprestado seus vocais ao influente e importante Massive Attack nos anos 90. Depois dessa prodigiosa colaboração, Shara aventurou-se sozinha sem muito sucesso. Sua voz é grave e mais expansiva. Sua sonoridade é mais urbana, mais caótica, por isso seu flerte com trip hop, que traz em si, elementos da sonoridade das grandes cidades. Esse disco “What Silence Knows”, traz uma mistura interessante de batidas sampleadas com jazz e soul. A voz de Shara ilumina cada faixa, dando a elas uma dramaticidade única. Os arranjos também são de primeira qualidade, e assim como Skye, Shara não consegue escapar do legado do trip hop, as batidas e o clima. Porém, embora exista essa influência, as canções não lembram Massive Attack, são únicas, são originais, assinadas por ela e pelo grupo que a acompanha. Há pianos, metais, efeitos e muitos climas, uns densos, outros alegres, porém sempre sua voz consegue acompanhá-los com desenvoltura e sem pretensões, de criar novas técnicas. Apenas explora sua próprias qualidades pré-existentes. “Pain Revisited” é magnífica, com sua batida e sua tristeza contida nos arranjos, Shara interpreta-a de forma muito emocional. Shara brinca com o gospel em “One Goodbye In 10”, com uma aula de vocal. Há no disco todo uma afastamento da depressão do trip hop, o disco é cheio de momentos ensolarados, como em “Down That Road”, com sua batida pra frente e seu refrão cativante, assim é também “Chance”. Shara se aproxima muito em estilo de Sarah Vaughan – claro que guardadas as devidas e cabíveis proporções – por seu estilo claro e abafado de cantar, porém com uma beleza e uma potência sem iguais. Esse disco vale a pena pelo diálogo entre tradição e modernidade. Lizz Wright tem uma voz grave, quase rouca em algumas momentos, mas é mera impressão. Seu timbre é forte e límpido, sua voz pode ser ouvida a longas distâncias. Embora Wright já não o cante mais, há ecos de gospel nesse seu terceiro disco, o ótimo “The Orchard”. Não há como não se derreter ao ouvir sua voz. Os músicos que a acompanham, são de altíssimo nível também, fazendo um jazz contemporâneo, diferente, cadenciado. Wright diáloga também com outras sonoridades, afro-caribenhas por exemplo, como em “My Heart”, e até um pop sofisticado como em “Leave Me Standing Alone”. Porém o recheio do disco é todo de um jazz de grande categoria. Arranjos finos, inteligentes, servem de bandeja a grande cereja que é a voz de Wright, uma cantora rara nos dias de hoje. A trinca “Idolize You”, “Hey Mann” e “Another Angel” são de tirar o fôlego. Sendo que Another Angel é um destaque a parte. Tem uma guitarra belíssima, um piano perfeito e um jogo de silêncios sugerido pelas cordas que é incomparável. “Song For Mia” é delicada e sensível, e só mesmo a voz grandiosa de Lizz a faria ser tão bela como ela é. Sua voz flutua pela música como se essa fosse um curso de águas claras e calmas, onde pianos desfilam um requinte não arrogante, e um suave violão cria bases de sonho, de fantasias, tanto de interiores como na contracapa do disco, como para cafezais em dias nublados como na capa. Esse disco é belíssimo, e traz uma cantora no seu melhor momento, madura e ciente do que está fazendo, nos dando de presente boas canções e momentos de rara beleza e felicidade. A música negra contemporânea está muito bem representada por essas três grandes cantoras [embora hajam mais], que cada uma a sua maneira, cada uma a sua sonoridade, conseguem manter uma tradição antiga e de valor incalculável de grandes damas negras. Numa tradição que remonta as chefes tribais africanas e seus cantos de guerra, passando pelas senhoras sofridas catadoras de algodão no sul dos Estados Unidos até as tias baianas do Rio de Janeiro. Essas três mulheres honram o som de The Supremes, Aretha Franklin, Nina Simone, Diane Reeves, Diana Ross, Tina Turner, Elza Soares, Ester Philips e muitas outras mulheres de pele escura, que com sua graça, coragem e competência vocal, provaram ao mundo seu valor para além do trabalho escravo, doméstico e sexual, ao qual as negras sempre foram relegadas. nos dando de presente boas cançmomento, madura e ciente do que est em dias nublados como na capa. . oz. adas com seus ex-grupo





















































Skye Edwards - Mind How You Go [Cordless Recordings, 2006].

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Shara Nelson - What Silence Knows [EMI Europe Generic, 1994].

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Lizz Wright - The Orchard [Verve Forecast, 2008].

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