sexta-feira, 13 de agosto de 2010


Artigo.

Caprichos Emocionais.


por Marlon Marques.


























Bares, há os bares. Aqueles lugares sombrios e mal falados, refugio de todo tipo de bêbados, solitários, desiludidos e traídos. Quantas histórias de amores não correspondidos e suicídios fracassados esses locais não guardam. A vida é um grande suceder de alegrias para uns e de tristezas para outros. E justamente aqueles há quem a sorte esqueceu, tem nos bares uma saída algo vital, desesperada, implorando por socorro, redenção ou atenção. Em um desses bares da vida, uma senhora já beirando os seus sessenta anos estava a tomar sua cerveja num domingo qualquer com os amigos do recinto. E como todo bar precisa de música, a da vez era se não outra, a Brega. O cd na verdade era um disco de mp3 com mais de 120 canções de cantores brega, passando por Waldick Soriano, Reginaldo Rossi, Odair José e Ovelha. De cara – e sem ouvir todas as canções, ela se apaixonou pelo disco. Por um instante olhou para o céu, mirou as nuvens e a saudade bateu. Lhe veio a tona um tempo no passado, onde certamente foi mais feliz, um tempo já longe em meio a uma juventude a muito perdida. No recinto também estava um homem cujo o filho copia cds, ela ao saber disso, logo pediu-lhe que lhe gravasse o cd. O cd então foi gravado, entregue a ela, que contente foi para casa no mesmo instante para ouvi-lo. No dia seguinte ela volta com o cd pedindo para que o mesmo seja regravado. Tudo isso por causa de uma única música, “Porto Solidão” do cantor Jessé. Ela pediu para que a música fosse retirada, pois queria o disco sem essa música. Sem questioná-la o homem trouxe o cd de volta. Ao chegar em casa começou uma epopéia para achar a canção referida. O disco original fora gravado de forma irregular, ou seja, umas músicas não renomeadas, outras mal renomeadas, umas com numeração trocada, etc. Uma tarde foi perdida tendo que ouvir canção por canção até encontrar a clássica música de Jessé. Quando soube do fato eu pensei, nossa, como existe gente caprichosa no mundo! Pedir para regravar um cd só por causa de uma música. Mas enfim né, todos têm suas próprias razões! A música foi encontrada e devidamente excluída, mas afinal o que tem demais nela? “Porto Solidão” é daquelas canções símbolos dos anos 80, típicas de fim de tarde de quinta-feira, tocadas naqueles empoeirados rádios de anos em anos. É uma canção triste, sobre um amor contido, não contado, guardado em segredo num coração dolorido. Jessé interpreta de uma forma tão intensa, dando ainda mais dramaticidade. Metaforicamente a letra também fala sobre amores mal sucedidos, “diversos naufragados”, seriam os vários amores naufragados? “A solidão que fica e entra (no coração)”, ou seja, amores que não duram, paixões não correspondidas, corações deixados a deriva em mares furiosos. A música (letra e instrumental) de Zeca Bahia e Gincko, tiveram em Jessé seu intérprete perfeito, tanto que ganhou o primeiro lugar no Festival MPB Shell de 1980. Depois desse prólogo, o epílogo é ainda mais fascinante. O homem voltou com o disco sem a canção de Jessé, a mulher lhe agradeceu e lhe pagou pelo serviço. Como a curiosidade é intrínseca no homem, ele não resistiu e perguntou o porquê de pedir a exclusão da música de Jessé. Ela parou por um minuto, pensou, e seus olhos se encheram d´água. Ela disse que a música lhe trazia uma lembrança ao mesmo tempo boa e triste. A morte de seu marido. Contou ela que a canção marcou seu amor da vida toda, e que muitas vezes a ouviu com ele ao lado e que ele a cantarolava baixinho. Mesmo com ele ainda em vida, sempre que a canção tocava, ela lembrava dele. E como justamente ele fora o seu grande e único amor, hoje é mais uma viúva solitária que de bar em bar chora a perda ao som de canções de “fossa”. Ela ainda disse que quando relaxou ouvindo aquelas canções, lá pelas tantas – após umas 90 músicas, ouviu a introdução de “Porto Solidão”. Foi o suficiente para desabar em choro e lembranças. Como se uma ferida mal curada fosse não apenas aberta, mas cutucada. Então não teve dúvida em pedir a retirada da música, pois não suportaria viver sob a sombra de um amor que o tempo levou rumo a mares incógnitos, no mais profundo e conhecido de todos os mistérios.






















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veja o vídeo da música nesse link.

















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