domingo, 24 de janeiro de 2010


Crítica.

Chico Buarque - Vida.


por Marlon Marques.



























Vida é um grande disco de Chico Buarque, e talvez marca o início da transição do Chico político para um Chico poeta, não que não o fosse antes, porém é aqui com mais intensidade devido as circunstâncias. Esse disco de 1980 faz um par perfeito com o próximo disco de estúdio Almanaque, coesos, belamente arranjados e poeticamente compostos. Vida é um disco bastante diverso, e bastante regular, não há momentos chatos no disco. Todas as canções são boas, sendo algumas mais do que outras, e outras ótimas, realmente acima da média. O disco traz ainda duas parcerias inéditas de Chico, uma com Tom Jobim [Eu Te Amo] e outra com Roberto Menescal [Bye, Bye, Brasil], ambas para trilhas sonoras dos respectivos e homônimos filmes de Arnaldo Jabor e Cacá Diegues. Vida é ricamente arranjado e tocado, conta com a participação de Francis Hime em todo álbum, com exceção das faixas acima citadas, onde seus compositores originais as tocam. O disco não tem mais aquele ímpeto político dos anteriores, até porque o país já vivia um momento de transição desde pelo menos 1975 com Geisel, que em 1978 extinguiu o AI-5, e a partir de 1979 com a anistia e a abertura política de Figueiredo. O contexto já era outro, e Chico já não precisava mais combater tanto o regime, e justamente nos brindou com um disco repleto de sambas, bossas e músicas simples, cheias de lirismo e poesia. “Vida” é um desabafo. Acho que de tanto lutar, fugir e correr, Chico deixou a fatia mais doce de sua vida passar [talvez], mas confessa ter sido feliz. Ele revela essa sentença que parece implícita quando diz que tocou na feriada dos homens sombrios, e veja o que ele fez e ajudou a fazer, o palco que possibilitou esse disco e essa canção. “Mar e Lua” é pura poesia, versos lindo entrelaçados nos acordes singelos e no doce som da flauta, magistral. “Deixa A Menina” é um aviso. Um aviso para aqueles homens machões, todos cheios de si e que acham que mandam em suas mulheres. Aqui Chico está bastante debochado, dizendo para deixar a menina em paz. “E se vai continuar enrustido, com essa cara de marido, a moça é capaz de se aborrecer”, ficar no pé a noite toda, de cara e de canto não há mulher que agüente, então ou aceita ou perde: “por trás de todo homem triste, há sempre uma mulher feliz, e atrás dessa mulher, mil homens sempre tão gentis”. Esse é o Chico Buarque cronista, despudorando o dia-a-dia mais íntimo de cada um de nós e dele porque não, é só lembrar de “Biscate”. “Já passou” é um samba bossa-nova, bem cadenciado. Em clima brisa do mar, um homem tenta fazer as águas passarem depois de uma briga. “Se você quer saber, eu já sarei, já curou”, diz ele para mostrar que superou o trauma. Ela parece não dar bola [pois nada diz – é um monólogo], ou é resistente, pois ele diz para ela: “nem gaste o seu perfume, por favor, pois esse filme já passou”. A simetria dessa poesia é exemplar, rimas bem colocadas e estruturadas, com “por favor”, “já passou”, e “estancou” e “supurou”. “Bastidores” é aquela mesma imortalizada na voz de Cauby Peixoto. Linda história de um amor perdido, de um homem beirando a loucura da perda e a sanidade do aplauso. Um homem certamente racional, a base de drogas lcitas manteve-se de pé, cantando, chorando, a base de um arranjo com cordas e uma bela flauta. “Qualquer Canção” e “Fantasia” são canções boas como dito no início, porém é depois dessas duas canções que o disco torna-se magnífico. “Eu Te Amo” é quase uma continuação de “João e Maria”. O final dessa canção diz: “pois você, sumiu no mundo sem me avisar, e agora eu era um louco a perguntar, o que é que a vida vai fazer de mim”, tendo como base esse trecho, suponhamos que João tenha encontrado Maria nesses tortuosos caminhos da vida e tenham se amado outra vez. Porém, tudo novamente acabou. Eu Te Amo começa daí. Sob um belo arranjo de piano de Jobim, Chico conta essa bela e triste história. Chico conta o complexo entrelaçamento dos amantes [se nós, nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas – se entornaste a nossa sorte pelo chão, se na bagunça do teu coração], entrelaçamento igual ao de sua voz cálida com a suavidade de Telma Costa. “De Todas As Maneiras” é um bolero torto, meio clima de cabaré decadente, e uma letra de casal sem-vergonha. Zeca Pagodinho cantou sobre brigas de casal de uma forma bem menos inspirada, porém aqui, Chico é sofisticado ao dizer que já se amaram de várias formas e maneiras, de igualmente já se destruíram e se mataram tantas outras vezes. É o poder renovador do amor, que no final como a letra deflagra, acaba tudo bem, é apenas mais uma briga de casal. “Morena De Angola” é um achado único. Há uma versão brilhante em dueto e solo de Clara Nunes. Essa morena é mais uma das memoráveis capitus de Chico, é mais uma Ana, Rita ou Beatriz. Mais uma vez aqui as rimas são precisas, ricas e simétricas, típico da poética de Chico Buarque. “Será que no meio da mata, na moita, a morena inda chocalha”, brilhante, mata, moita, morena, três palavras diferentes [óbvio] mas de sonoridades similares e extremamente contextuais. “Bye bye, Brasil” é genial. Crítica, afiada e discreta. A batida peculiar de Menescal é escorregadia, quase nos escapa, é hipnótica e dá o tom de jazz-samba que a música tem. Na letra, Chico fala do país e seus contrastes, é uma espécie de Fora Da Ordem de Caetano, porém meio nonsense, meio bricolage, mas ótima letra. “Não Sonho Mais” fecha o disco em grande estilo numa mistura de baião com metais e um suingue fantástico. Vida prova ao fim que é de fato ótimo, mostra um compositor de grandíssimo talento acompanhado por excelentes músicos e também grandes parceiros. É um disco de sonoridade única, sem par na música brasileira. Chico Buarque consegue ser irônico, crítico e sensual num mesmo álbum, um disco rico em grandes canções, logo no início de uma década tão cheia de altos e baixos, começar assim é de fato um feito e tanto.































Chico Buarque - Vida [Polygram/Philips, 1980].

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