Crítica.
Caetano Veloso - Estrangeiro.
por Marlon Marques.
Quando “Estrangeiro” foi lançado [1989] eu tinha apenas cinco anos de idade, e foi somente 11 anos depois, que tomei contato com essa grande obra da música brasileira. Tomei emprestado de um amigo [Gaga] uma coletânea de Caetano Veloso da série Millennium, um disco bastante variado, com canções de várias fases do compositor. E por incrível que pareça, entre as algumas músicas do qual não gostei, estavão justamente “O Estrangeiro” e “Raí de Cores”, ambas desse disco. Não gostei por não ter ouvido direito, e também por não ter compreendido direito, não tinha à epóca repertório para entender tamanha complexidade. É isso o que posso dizer desse álbum, complexo, e também de vanguarda. Caetano reuniu um time de primeira para fazer esse disco, só grandes músicos, nacionais e internacionais, gente como Naná Vasconcelos, Carlinhos Brown e Tavinho Fialho; Arto Lindsay, Bill Frisell e Marc Ribot. Embora no disco haja “Meia-lua Inteira”, Estrangeiro é muito distante da MPB tradicional, aquela esquema fácil que costumamos ouvir na Nova Brasil FM, é um disco a frente. Caetano fecha a década de 80 com um disco primoroso, um disco muito bem tocado, bem arranjado e bem produzido, com letras ora hermérticas demais, ora poéticas demais, mas sempre caetânicas. Hoje a impressão que tenho é que Estrangeiro deveria ser mais lembrado [e tocado], deveria não, deve, pois há ali versos poderosos, que significam muito, além da riqueza musical, e da alta técnica envolvida em cada acorde, em cada minuto de música desse belo tratado de beleza. “O Estrangeiro” é uma grande canção, o próprio Caetano declarou em 91, de fato. Trata a beleza como algo subjetivo e conjuntural, pois de nada adianta a praia de Botafogo ser bela mas ao mesmo tempo poluída [uma visão baseada em Simmel], o amor é cego, é dual, a Baía de Guanabara é bela e banguela ao mesmo tempo. “Raí de Cores” é uma continuidade de “Trem das Cores”, claro que em um outro sentido, mais abstrato, é quase um fusão entre Seurat e Pollock. “Branquinha” é uma canção de amor feita para Paula Lavigne, sua mulher na época, hoje sua empresária e ex-mulher. É uma linda música, aquela batida típica no violão e a voz suave e puchadissima de Caetano em frases como “carnação da canção que compus“, ou “vou contra a via, canto contra a melodia, nado contra a maré. Que é que tu vê, que é que tu quer, tu que é tão rainha”. Essas duas últimas inspiradas em pessoas,
Caetano Veloso - Estrangeiro [Polygram, 1989]
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Artigo.
Os Outros Românticos.
por Ladislau Smack & Marlon Marques.
Quem eram os “outros românticos”? Aventureiros que atravessaram todo o século XX – e que subexistem ainda. Sabemos que os seres humanos, imperfeitos que são, querem ser nivelados por cima, e a igualdade é um discurso bonito, mas vão. A revolução francesa mostrou que o romantismo dos ideais de igualdade foram por terra – os Estados Unidos confirmaram que na terra da liberdade a igualdade é apenas uma palavra, que morreu com Luther King em 68, e que talvez respire com Obama. O socialismo foi uma alternativa tão letal e insustentável quanto o capitalismo o é, a diferença é que o socialismo nivelou as pessoas por baixo. Se mostrou retrógrado e se mostra ainda em Cuba – o que demonstra a ambivalência presente nos seres humanos – líderes vivendo na caverna de Platão, no escuro. Nas trevas de uma Idade Média contemporânea, obscurantista, sai a igreja entra o partido, sai o dógma da infalibilidade papal, entra o da infalibilidade do dirigente do partido. A forma como a União Soviética foi conduzida, não conseguiu manter a competição em igualdade de condições com o Estados Unidos. A corrida armamentista e tecnológica se manteve equilibrada a maior parte do tempo, porém divergências ideológicas e políticas – principalmente com a divulgação dos escândalos de Stálin – fizeram com que a União Soviética ruísse, politica e economicamente. Não foram capazes de acompanhar as transformações mundiais, a quase invisível [à época] globalização que integrava cada vez mais as nações, mesmo as nações inimigas. O capitalismo não é ético, trai seus próprios princípios doutrinários e ideológicos, pois a pregação dos papas Milton Friedman e Friedrich Hayek de auto-regulação é suplantada em momentos de necessidade – veja hoje o quanto o governo Obama interfere [quase comanda] nos assuntos econômicos do país. O socialismo é ético por não trair seus ideais, e o preço que pagou para se manter ético, foi justamente a existência do próprio sistema. O socialismo não foi capaz de acompanhar essa Babel de economias, essa enxurrada de idéias e teorias econômicas, conceitos por vezes abstratos demais para um público médio que assiste atônito no noticiário todo esse repertório de informações. O socialismo pregou um sistema sem Deus. Porém se tornou um sistem com e sem um Deus, pois o Deus judaico-cristão foi substítuido por um panteão de deuses, o Zeus Karl Marx, Lênin, Trotsky, Stálin, Fidél e o martír que andava no meio dos humildes, morreu pela justiça e era barbudo, Che Guevara. O socialismo tornou-se uma religião, os sectários e simpatizantes [companheiros] os fiéis, as internacionais os cultos, o mesmo caminho cego da religião espiritual foi seguido pela religião material. Caetano Veloso traz a discussão para o Brasil e suas contradições, que acompanhando as transformações mundiais, saia de uma Idade Média [ditadura militar] mas mantinha-se em outra, os trinta milhões de meninos abandonados, crescendo e tornando-se homens – que reproduzirão e aumentarão o número de abandonados no país. Caetano aponta para um futuro do futuro, que desde pelo menos Maurício de Nassau aponta o Brasil como o país do futuro. Assim como a música [instrumental], a letra aponta para um futuro obscuro, apocaliptíco, visto nos vitrais compostos por toda essa gama de situações internadas conjuminadas com a globalização – todos sofreram com as consequências do queda do muro de Berlim. Caetano é cético e prático, aponta para apocalipses totais [falta de esperança] e para utopias radicais [esperança], enquadrada talvez numa chave de análise que vislumbra uma ressurreição do sonho socialista num futuro no futuro. O presente em 1989 era incerto, principalmente para a Alemanha. O Brasil também vivia a expectativa da retomada da democracia e das possibilidades de um projeto de Brasil mais igualitário, porém alinhado com a nova [des]ordem mundial. O futuro mostrou o efeito dominó da queda do muro, dois anos mais tarde desentegra-se a União Soviética, dos seus destroços as ex-repúblicas caminharam lentamente para o capitalismo, assim como a Alemanha unificada e a própria Rússia. Essa transformação não era prevista pela vanguarda alemã à partir da década de 60 e 70, as bandas de rock alemão, com base no Krautrock, vislumbravam uma mudança justamente contra os valores dominantes anglo-americanos. Hoje podemos situar como “novos românticos”, ou novos utópicos, filmes como Edukators, Adeus Lênin! e As Invasões Bárbaras, pois posicioanam-se como críticos a situação [do processo da mudança citado acima], vislumbram saídas radicais, utopias radicais. Nutrem a rebeldia e a revolução, com vigor, o mesmo vigor repressivo da violência dominante no Brasil, violência social, política, econômica e policial. A brado desse cinema radical é tão truculento quanto o grito das bandas alemãs e tão estridente quanto o grito de morte de Pixote. Os anjos sobre Berlim [do filme Asas do Desejo de Wim Wenders] representam a escolha entre um mundo e outro em uma cidade dividida, o dilema da resistência ou da entrega, da luta ou da renúncia, do manter a utopia ou do ser morto por ela. O mundo desde o fim [Antônio Cícero] é apenas uma licença poética, o mundo da perspectiva de seu fim, representando a idéia de transição, de um mundo para outro mundo, que Caetano confirma, “e no entanto era um sim”, era um fim do mundo sim. E não nos enganemos, um mundo acabou, deixou de existir, mas não foi dominado por um mundo melhor, nada mudou estruturalmente, pois o capitalismo não consegue atender as necessidades do mundo e se adequar dentro dos padrões do aceitável [pois se adapta, não de maneira sustentável]. E esse fim parece o destino último desse futuro tão mencionado. E se no entanto era um fim sim, “e foi, e era e é e será sim”, ou seja, foi um fim [fato consumado], era um fim [o processo] e será um fim, prenúncio de um vitral apocaliptíco projetado num futuro.
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Ensaio.
Uma ironia sexista.
por Dirce Dalila & Cremilda Batista.
Será que o Caetano virou um sexista. Logo ele, um homem tão orgulhoso de sua condição crítica e pós-moderna. Provavelmente a canção “Homem”, nona faixa do álbum Cê, deva ser uma brincadeira de mau gosto, uma ironia, acredito não se referir a visão de Caetano sobre as mulheres. Para alguém que um dia cantou “que a tigresa possa mais do que o leão”, soa até surpreendente acreditar ao contrário. Só que por outro lado, a expressão “eu sou homem”, é dúbia. Pode-se referir a uma mera questão de genêro, distintiva entre homem e mulher, ou uma certa auto-afirmação de Caetano quanto a sua sexualidade. Apesar que pode ser de fato uma ironia, uma provocação, assim como “ele me deu um beijo na boca”, ou “mas retribuo a piscadela do garoto de frete do Trianon, eu sei o que é bom”. Entretanto, mesmo que irônica, a letra é ofensiva, é simples, mas vai direto ao ponto, e cai
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