quarta-feira, 24 de junho de 2009


Crítica.

Vinícius De Moraes e Odette Lara - Vinícius & Odette Lara.


por Marlon Marques.


























Sempre que ouço falar em bossa nova, a primeira coisa que me vem a cabeça é a antiga questão Hamletiana, a bossa nova é uma sambificação do jazz, ou uma jazzificação do samba? Embora essa questão ainda persista, o imaginário coletivo associa o ritmo a nomes como o de Tom Jobim, Toquinho e Vinícius [de Moraes], João Gilberto [Chega de Saudade], Roberto Menescau e Carlos Lyra, nomes menores como disse certa vez Nelson Motta. Porém é necessário salientar que grande parte do prestígio que nossa música possui no exterior, deve-se à bossa nova, na verdade a bossa nova consolida e pavimenta um caminho iniciado pelo grande Pixinguinha na virada do século. Utlizando propositadamente o título do filme de Hugh Grant “Letra e Música”, é necessario dizer que a bossa nova deve ser analisada dessa forma, conteúdo e forma. O que sempre me incomodou um pouco é o fato de que a bossa nova era o ritmo da burguesia boêmia carioca, que desprovidos de qualquer senso crítico, esbanjavam em suas letras um amor extremamente provinciano e esnobe, cantando uma alegria mantida pelo dinheiro de sua classe que os mantinham intactos em seus lugares privilegiados. Diria até que viviamos um tempo romântico, a era JK, do desenvolvimento, da modernidade, simbolizada nas curvas sinuosas das obras de Niermeyer, da nostalgia da eterna capital do Brasil, de um Rio de Janeiro mágico e terno, onde os malandros da lapa tomavam no mesmo copo dos rapazes bem nascidos do seio da elite carioca. Décadas antes, e até mesmo um certo prelúdio da nova bossa, os negros pobres dos morros mostravam aos brancos elitistas o samba, Noel ia ao subúrbio, enquanto Ismael Silva e Donga frequentavam os salões, era a celebração do Brasil brasileiro. Porém o Brasil de Jânio e Jango não era tão alegre quanto o do presidente “bossa nova”, as trevas de uma noite que duraria 20 anos estavam se aproximando daquele céu de brigadeiro, não havia mais espaço para se enganar sendo mais alegre do que triste, a ficha deveria ter caído. Enquanto os homens e mulheres mais maduros se alienavam com a bossa nova, os jovens se esbaldavam com a jovem guarda, pois não importava o que acontecia ao país, que tudo fosse para o inferno, o mesmo em que a liberdade pública fora lançado. O contexto mudou, a bela e graciosa garota de Ipanema, deu lugar a guerrilheira revolucionária bradando gritos contra o estabelishment político, o barquinho deu lugar ao tanque, e o violão foi trocado pelos canhões e fuzis dos militares. O que muitos críticos do gênero dizem é que algumas letras são extremanete infantis e banais, exceto as canções de amor, que possuem de fato um grande requinte poético, vide a obra de Vinícius de Moraes. Quanto a música de fato não há o que se discutir, com exceção feita ao fato de que algumas canções serem muito semelhantes nos arranjos e no compasso. A influência do Jazz é inevitável, principalmente no uso de metais e no ritmo imposto pela bateria, porém a bossa nova tem o tom sensual e quente dos trópicos brasileiros, sem a crueza reta do jazz. Os arranjos do maestro Jobim ou os acordes de um Toquinho, e principalmente da técnica refinada de João Gilberto, são marcas musicais como bandeiras que marcam posição num território, encontrando a leveza de vozes como a de Odete Lara e Maysa, e até de Elizeth Cardoso. E é justamente na riqueza instrumental que a bossa se destaca, são sons plácidos de uma calmaria que emula um passeio pela orla de copacabana numa doce manhã de janeiro, contemplando a beleza natural de um paraíso abençoado pelo Cristo, que oferece como alternativa as balas perdidas, os braços de um abraço fraterno. Há também uma certa beleza na tristeza cantada pelos trovadores da bossa, uma certa melancolia, um certo sonho, reforçado pelos arranjos orquestrais e pelos climas produzidos pelas cordas e pela cadência desse samba sofísticado. O álbum “Vinícius & Odette Lara” foi lançado em 1963, consolidando a parceria do poeta com o grande músico Baden Powell, além dos grandes arranjos do maestro Moacir Santos, outros destaques são os clássicos emplacados pelo álbum, “Samba da Benção”, “Samba em Prelúdio” e “Mulher Carioca”. Um belo álbum, onde com toda certeza a interpretação de Odette chega a picos de beleza em “Além do Amor”, linda letra de Vinícius, tocantemente triste, não há como não se emocionar com o verso: “Beijia até o fim – As minhas lágrimas de dor – Porque eu te amo, além do amor”. Agora “Só por Amor” é de deixar qualquer um boquiaberto, estarrecido, com sua beleza, um compasso lúgubre acompanha os lindos versos de um amor burro, “Você que nunca disse não – Só por saber – Que o coração sabe demais – Que a razão não tem razão”, de fato, o amor as vezes é belamente cego, nos faz abrir mão de um mundo de possíbilidades, por ilusões vãs de um sentimento incondicional. Outro destaque vai para “Mulher Carioca”, cantada pelo poeta Vinícius acompanhado de um coralzinho, versa sobre a beleza da mulher brasileira de vários estados, do Espiríto Santo à Bahia, do Amazônas à São Paulo, porém é da mulher carioca o posto de mulher especial, com seu jeitinho peculiar, seu passinho, seu carinho que não encontra par em nenhuma outra Brasil à fora, e é nessa música que o infantilismo bossanovista se apresenta, com esses nhem-nhem-nhem-nhem-nhem chatamente idiossincráticos, cantados de uma forma extremamente tediosa e irritante. “Samba em Prelúdio” é um duo perfeito de Odette e Vinícius, começando com um minimalismo de piano e cordas, para logo se deixar seduzir pelo ritmo sincopado peculiar da bossa, um samba diferente, uma bela declaração de amor e uma linda canção que derreterá com certeza qualquer coração feminino [e masculino porque não!]. A letra se inicia com o homem [Vinícius] dizendo que sem a amada é incompleto, “Sou chama sem luz – Jardim sem luar – Luar sem amor – Amor sem se dar”, amar é uma entrega, no prazer e na dor, uma entrega a verdade do sentimento, do néctar do sentimento, do fino de uma bossa eterna. A canção prossegue triunfal com a pálida voz de Odette, que termina dizendo: “Estou tão sozinha – Tenho os olhos cançados de olhar para o além – Vem ver a vida – Sem você meu amor eu não sou ninguém”, sem dúvida é uma ode ao amor, a letra é a confirmação da sentença bíblica da unidade do matrimônio, seja ele oficial ou não, pois o amor não carece de procurações ou papéis timbrados, precisa sim existir na mente e nos corações dos poetas e dos amantes, pois como nos disse Fernando Pessoa, “Deus quer – O homem sonha, e a obra nasce”.


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