sábado, 4 de abril de 2009

Mr. Bungle - Mr. Bungle.

por Marlon Marques.


























Doentio, insano, tenebroso, são adjetivos cabíveis ao disco homônimo do Mr. Bungle. O ano é 1991, a gravadora é a Warner Bros. [!!!], o produtor John Zorn, a banda um time de futebol apenas de craques, munidos de idéias transloucadas e instrumentos musicais, cometeram esse aborto sonoro chamado “Mr. Bungle”. São dez faixas de loucura, devaneio, ecletismo, risos, choro e do inesperado, pois na geração mais do mesmo do início dos anos 90, não se esperaria algo assim tão a frente de seu tempo. O Mr. Bungle é a amante de Mike Patton, é onde o sexo é mais criativo, já o Faith No More era a esposa, mais “básico”, e justamente quando Patton tentou fazer com a esposa o que fazia com a amante, deu no que deu, fracasso comercial. A analogia como a amante não é a toa, com uma amante não há compromissos, exceto um contrato para gravar três álbuns – aposta da Warner, que se arrependeu [sic] – porém, o Mr. Bungle se utilizou da mesma tática dos relacionamentos extra-conjugais, falta de compromisso, não deu bola para a Warner e lançou algo totalmente fora dos padrões. Há transgressão, medo e sujeira em cada faixa, cada faixa transborda criatividade bruta, é o caos ordenando e desobedecendo as ordens, é como um soco no rosto num dia frio. São canções impensáveis por mentes normais, e inexecutáveis por músicos normais, e “inintendível”[sic] por ouvidos normais, é preciso transgredir para entender Mr.Bungle, é uma experiência sonora catártica e libertadora, um transmutar constante de insconstantes sensações, um mosaico brilhante de pedaços de desconexões. “Quote Unquote” e “My Ass Is On Fire” traduzem o estado de medo e horror contemporâneo, nos transmitem insanidade, nos dão a constante impressão de que estamos prestes a ser atacados por alguém [o pânico das grandes cidades], e nos desperta o nosso mais primitivo instinto de defesa. No filme “Infidelidade”, Richard Gere através da insanidade chega ao medo, matando sádicamente o amante de sua mulher, Jack Nicholson em “O Iluminado” é a maior síntese do horror e do desespero humano, seu olhar insano reflete a nossa insanidade cotidiana, assim como musicalmente essas duas músicas reverberam em nós esses estados muitas vezes adormecidos, mas os riffs pesados e todo o clima dos teclados nos remete a esse nosso lado escuro. “Slowly Growing Deaf” é um verdadeiro transtorno bi-polar, ora calma, com nuances lounge, ora metálica e agressiva, seria a amante com TPM? Mike Patton realmente prova aqui sua grande capacidade vocal, mostra seu lado gutural e crooner ao mesmo tempo, fazendo diversos falsetes e berrando onomatopéias ininteligíveis, misturando vozes sampleadas, efeitos e backing vocals a toda sua gama de incorporações de personagens quase saídos de desenhos animados e séries de TV. Os instrumentistas então são um show a parte, Trevor Dunn brilha em “Squeeze Me Macaroni”, com grooves e batidas slap em seu baixo, mostrando técnica e virtuosismo, a canção parece vinheta de programas talk show de TV, com barulhinhos de videogame e metais [que combinação!], além de passagens bem jazzísticas, mero dedo do produtor. “Egg” e “Stubb (A Dub)” são engraçadas, a primeira é um funk-country com passagens progressivas, lá, lá, lás, gritos de desespero e gozação, a segunda tem começo gospel, meio ska e progressos de música russa e alguns compassos de polca e valsa, chega até a cair na fanfarra e no circo lá pelos três minutos e meio, é uma colcha de retalhos musicais cultural, influências diversas, gostos diversos, e sensações diversas também. Tem soul com circo e brilhantes variações vocais em “Dead Goon”, funk setentista na escola do Steely Dan em “The Girls Of Porn”, sem esquecer as incursões sexuais no começo e no meio da música, gemidos, urros e sussurros [uma sugestão Gainsbourguiana]. “Love Is A Fist” é metal, puro metal, a base do que o Mr. Bungle sempre praticou, talvez seja a única música mais, digamos, normal do disco, com poucas modulações malucas e alternâncias, mas também uma ótima música. O disco é realmente um dos melhores da década, porém era demais para os simples mortais entenderem, transcendia muito ao padrão da época, do que a industria produzia e destruia desde os anos 80, como os planos econômicos, era moderno demais, eclético demais, bom demais, e como era demais em vários quesitos, era difícil demais para ser degustado ou sangrado, até vendeu mais do que a Warner esperava, mas não teve a grandiosidade entendida como merecia, e poderia ter alargado vários horizontes, mas não aconteceu, quem sabe agora, afinal ainda temos tempo demais, demais […].


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2 comentários:

  1. Lucas Barata2:15 PM

    Caramba, ótimo texto! Você soube definir de modo magistral este CD, fico orgulhoso de ter o lido.

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  2. Anônimo10:56 PM

    Opa, valeu Lucas pelo comentário e pelo elogio. O texto na verdade saiu pela aura do disco. É um dos discos mais fantásticos que eu conheço, e infelizmente ninguém comenta. Mas como disse Platão certa vez, "a verdade não é para todos". Um abraço e continue a acompanhar o blog.

    Marlon Marques.

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