sábado, 25 de abril de 2009

Artigo.

Para além do clichê: Sinéad O´Connor e R.E.M. , os hits não são maiores do que os discos.



por Marlon Marques & Eliseu Horácio.


























O ouvinte comum costuma associar as bandas a seus hits, o que é um equívoco, pois muitas vezes a qualidade de um disco é suplantada por uma única música. Quantas vezes não nos deparamos com conversas do tipo – você conhece o Spin Doctors? – Não é aquela banda que toca “Two Princess”? – É essa sim!, ou seja, a banda é conhecida por sua música mais famosa, não por outros atributos, se os tiver é claro. R.E.M. e Sinéad O´Connor sofrem desse mesmo problema, pois tanto “Loosing My Religion”, quanto “Nothing Comparses 2 U”, foram [e são ainda] grandes hits, e o sucesso dessas canções, ofuscou os trabalhos dessas bandas, no caso do R.E.M. o álbum “Out Of Time”, e no caso da cantora irlandesa, o seu primeiro disco “The Lion And The Cobra” [embora a canção referida não faça parte desse disco]. O R.E.M. é uma banda que dispensa grandes comentários, possui uma carreira bastante sólida e uma respeitabilidade internacional, o agora trio de Athens, sempre lançou trabalhos acima da média, e não há realmente o que dizer de uma banda que lança uma sequência discos como “Document [1987], Green [1988], Out Of Time [1991] e Automatic For The People [1992]”. Já Sinéad O´Connor possui um carreira menos brilhante e mais polêmica, dona de uma bela voz, há que se reconhecer seu talento como compositora e como polemista. Sinéad não teve problemas apenas com o Vaticano, rompeu com gravadoras, teve abortos espontâneos, tentou suicídio, mas conheceu sucesso mundial cantando a já citada Nothing Comparses 2 U. A questão é que mesmo não sendo uma eminência no mundo da música, fez coisas mais relevantes do que esse hit, seu primeiro álbum por exemplo está cheio de bons momentos, constrastando com os momentos ruins que sua carreira passaria anos mais tarde. Out Of Time representa uma ruptura sonora e temática em relação a seu antecessor Green, enquanto esse era pungente e político, Out Of Time é lírico e existencial. O disco conta com uma gama de instrumentos variados, de cordas a sopros, de cravo a piano, fazendo com que o álbum soe como um pop-folk refinado e etéreo. O disco é pouco citado pela crítica em geral e pelo público, apesar de ser um trabalho honesto e diferente – talvez tenha sido por essa diferença a pouca receptividade do álbum, embora tenha emplacado dois megahits, “Loosing My Religion” e “Shine Happy People”. “Out Of Time soa como um poderoso libelo antimodismos; uma bofetada na cara de uma era em que o número de BPMs emitidas a cada canção e conceitos tão voláteis quanto imagem e estilo é tudo que importa”[1] disse o crítico Arthur Couto Duarte, realmente, o disco apontava para um direção contrária, viviamos os anos grunge, barulho e sujeira a altos decibéis, não cabia espaço para concertos campestres e emulação de música de câmara. O disco traz também incursões country, como é o caso da ótima “Me In Honey” e das também ótimas “Texarkana” e “Country Feedback”, que caso fossem trilha sonara de Lendas da Paixão não seria nenhum surpresa. Um das mais belas canções do disco é “Endgame”, com um arrasador timbre de metais [flugelhorn, clarinte, sax] e um coral quase gospel, é quase um cortejo fúnebre, passiva e lamuriosa, é realmente uma peça musical. “Belong” e “Near Wild Heaven”, são pop songs de alta qualidade, essa ultima com uma introdução quase cureana [The Cure], dá o tom, coraisinhos de leve e dedilhados de guitarra dão ternura e beleza a essa canção. Em “Radio Song” e “Half A World Way”, Michael Stipe mostra toda sua habilidade vocal, ora mais expressivo na primeira, ora mais intenso na segunda, a primeira é uma balada com orgão, arranjo sofisticado e cordas, aproxima o grande público da finesse, já a segunda é quase um lamento, brilhantemente tocada e ricamente arranjada, exibe uma suíte de violinos, violoncelos, violas e o belo bandolim de Peter Buck, emocionante. Realmente Out Of Time é um grande disco, bem além da grande Loosing My Religion, é um disco cheio de luz e grandeza, “alheio as fórmulas, ao sucesso, fora do alcance das idéias preconcebidas”[2], longe dos clichês e dos louros da fama, é mais uma das obras menospresadas e esquecidas nos confins já longínquos dos anos 90. The Lion And The Cobra é um disco que começa tenso, “Jackie”, a voz de Sinéad é o cartão de visitas, um híbrido de Siouxsie Sioux e Kate Bush[3], ecos fantasmagóricos numa velha igreja, sua voz quase a capela vibra alto nos ouvidos. “Mandinka” e “Jerusalem” são filhas legítimas do pop new wave dos anos 80, sendo a primeira uma antecipação do que seus conterrâneos do Cranberries iriam fazer anos mais tarde. “Just Like U Said It Would B” tem arranjo folk e toque celta, tem corais e um acompanhamento cadenciado sobre a aveludada voz de O´Connor, “Never Get Old”, é um tributo a Era e Enya, aqui não mais nova onda [new wave], mas nova era [new age], um arranjo sensacional de piano, duelando com bateria, baixo, guitarra e voz, num duelo quase medieval. “Troy” é onde a bela voz de Sinéad se mostra de vez, “uma beleza peculiar”[4], o arranjo também é bastante elaborado, violinos, sopros, e um clima pesado, como uma sinfonia noir. Até qui o disco alterna momentos de luz e momentos de sombras, porém em um caso e em outro, Sinéad com sua poderosa voz dá o tom, interpretando com bastante emoção cada canção [perceba em Troy]. Há momentos pop das paradas de rádio também, “I Want Your (Hands On Me), e baladas deprê “Drink Before The War” e “Just Call Me Joe”, guitarras baixas, levemente distorcidas, pesarosas, contribuem para o tom obscuro – principalmente – de Just Call Me Joe, um pedido de socorro, de um mundo povoado por sombras, vozes e desespero – quase como uma crônica de uma morte anunciada, como seria o decorrer de sua carreira, cheia de momentos de altenância, porém com um predominío para as sombras. Em suma, trata-se de um disco ótimo “Out Of Time”, e de um medianamente bom “The Lion And The Cobra”, discos que primam por serem diferentes em suas épocas, por terem arranjos elaborados, por celebrarem as raízes de seus países [no caso do R.E.M. o country americano, e no caso de Sinéad O´Connor a música celta irlandesa], e por destacarem as vozes de seus cantores, um uma revelação [Sinéad O´Connor] e outro uma surpresa [o disco Out Of Time], porém ambos esquecidos e ignorados, será que o tempo irá os redimir?


[1] COUTO DUARTE, Arthur G. Out Of Time – R.E.M. ShowBizz. São Paulo, Nº 06, Edição 71, p.67, junho. 1991.

[2] Idem. p.65.

[3] LEMOS, José Augusto. The Lion And The Cobra – Sinéad O´Connor. Showbizz. São Paulo, Nº 09, p. 25, setembro. 1988.

[4] Idem. p. 25.




























R.E.M. - Out Of Time [Warner/WEA, 1991]

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Sinéad O`Connor - The Lion And The Cobra [CBS, 1988]

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