segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Crítica.

Nelson Gonçalves - Nelson Interpreta Noel.



por Marlon Marques.





















Quem disse que samba é coisa só de negro. E quem disse que samba é uma música menor. Se houve alguém que capaz de derrubar essas duas questões, esse alguém foi Noel Rosa. O nome de Noel figura entre os gigantes da música brasileira, sendo considerado por muitos, um grande poeta, da estirpe ao qual pertencem Cartola e Braguinha. Noel compôs canções memoráveis, verdadeiros poemas musicados, cantados por gente tão dispare quanto Aracy de Almeida, Francisco Alves e Nelson Gonçalves. O samba nasceu nos morros cariocas, corruptela de “semba”, na língua dos negros de Angola algo como batuque. Noel foi quem trouxe o samba do morro para o asfalto. Ocorreu um enbranquecimento do samba, e tal qual o feitiço da vila, enfeitiçou gente como Vinícius de Moraes e Chico Buarque. Noel é o culpado por isso, foi um gênio não tão reconhecido em vida, mas com certeza glorificado post mortem, pela vida e principalmente pela obra. Lindos sambas-canção de sua autoria ganharam vida na voz dos grandes intérpretes dos anos 30, estendendo-se por toda era do rádio até os anos 50. Em 1954 após a morte de Getúlio Vargas, o Brasil começaria a ser tragado pela órbita dos Estados Unidos. A principal conseqüência disso, foi a bossa nova, fusão do jazz com samba, e depois o rock n´roll da jovem guarda, ritmo por excelência norte-americano. Não que Noel ficou esquecido nesse período, outros surgiram, mas o eco do homem franzino e de saúde frágil de Vila Isabel continuava presente, com menos intensidade, mas ainda presente. Se o samba é a cara do Brasil, então essa cara tem um pouco de Noel. O imortal Noel Rosa presenteou nossos corações com grandes clássicos, presentes até hoje nas sessões nostalgia das rádios AM tão pouco ouvidas pela nova geração. Muitos de hoje apontam qualquer um como mestre do samba, nessa perspectiva o que seria então Noel? Gênio do samba, talvez seja esse o rótulo que melhor lhe cabe. Pois mesmo tendo se passado mais de setenta anos de sua morte ele continua vivo, e será com muito mérito que comemoraremos o centenário de seu nascimento no ano que vem, 2010. Se acaso o Pão de Açúcar se torna-se o Monte Rushmore[1], e ao invés de presidentes da república, os homenageados fossem grandes sambistas, um dos rostos seria o de Noel, os outros três eu nem me arrisco a cometer uma injustiça, mas o de Noel, esse eu tenho certeza. Efetivamente um disco de Noel, ou interpretando Noel, é de samba. Esse “Nelson Interpreta Noel” de 1956, é um achado, um disco de um samba refinado, bem tocado, com tudo o que o samba puro tem, pandeiro, bandolim, flauta, e muita elegância. Nelson Gonçalves dá grande vida as canções do poeta, sua voz encorpada não se intimida frente a tão hercúlea tarefa, mas somente um artista como Nelson – e como poucos – seria capaz de executar com tamanha maestria tal tarefa. No lado A do vinil, os destaques são três. A cadenciada “Feitio de Oração”, a poesia é refinada, “da dor tão cruel desta saudade, que, porque infelicidade, meu pobre peito invade”. A dor é de fato um grande combustível para inspiração, mas são poucos capazes de extrapolar esse sentimento tão bem quanto Noel. “Último Desejo” é linda, magnificamente linda. Também cadenciada, tem um acompanhamento divino, com cordas e órgão, Noel vindo pelo voz de Nelson nos diz: “perto de você me calo, tudo penso e nada falo”, é o calar sem reação diante da paixão, é o impávido silêncio do coração. E o grande clássico “Com Que Roupa?”, tão gravada por tanta gente. Eu confesso que não achava nada de mais nessa canção, mas reparando bem. Um sambinha rápido, contagiante, onde a flauta da um show a parte. Um samba nos anos 30, era uma celebração, um espetáculo de gala, onde plebe e nobreza se nivelavam pelo gingado zombeteiro do pandeiro, agora como definhar a tal convite? Agora em aceitando, como que roupa ir? Cômico, Noel continuou indeciso dizendo: “eu hoje estou pulando como um sapo, pra ver se escapo, desta praga de urubú. Já estou coberto de farrapos, eu vou acabar ficando nú. Meu paletó virou estopa, eu nem sei mais com que roupa, com que roupa eu vou, pro samba que você me convidou”. O lado B também é lírico e clássico. “Fita Amarela”, é cômica também, Noel brinca com a morte ao constatar o que já sabemos, o valor só se dá quando se morre. “Meus inimigos que hoje falam mal de mim, vão dizer que nunca viram uma pessoa tão boa assim”, além de que, denota sua paixão pelas mulheres dizendo que quando morto estará embaixo da terra, o mesmo destino das “morenas tão formosas”, isso é um consolo. “Palpite Infeliz”, é uma das declarações da amor a Vila Isabel. Noel critica os críticos da vila de seu coração, diz ele que nada sabem os que dizem [ “quem é você, que não sabe o que diz” ], pois se a vila é tão boa assim, não é com a finalidade de “abafar ninguém”, de derrubar as outras escolas. Mas é o dom natural da vila, de compor com facilidade [ “fazer poema lá na Vila é um brinquedo” ], sambas bons, e afinal pra que ligar pra quem não sabe nem onde fica o próprio nariz? Agora a grande canção é “Feitiço da Vila”. Noel enfatiza a qualidade de sua Vila querida, e nos inicia nos mistérios de uma magia ímpar, capaz de fazer a vida melhor, de encantar o coração, capaz de fazer dançar os arvoredos. A introdução monumental dessa versão de Nelson, deflagra a grandiosidade dessa canção, que faz a “lua nascer mais cedo”. Essa vila com nome de princesa, se orgulha de seu principal produto, o samba, que nas palavras de Noel é um “feitiço descente”. Agora senhores, modéstia a parte, Noel é da vila e nós somos mais Noel.



[1] Monumento norte-americano localizado em Keystone na Dakota do Sul, onde estão esculpidos os rostos dos quatro grandes presidentes norte-americanos.





















































Nelson Gonçalves - Nelson Interpreta Noel [RCA, 1956].

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